Do Node.js à Unity: "Boas práticas" da web falham no game loop

Lucas MarquesLucas Marques
22 de outubro de 2025
gamesback-endtecnologia

Para um desenvolvedor Full-Stack experiente em Node.js, a migração para o desenvolvimento de jogos em Unity parece uma transição lógica. Afinal, C# e JavaScript compartilham semelhanças, e a lógica de back-end é universal, certo? A realidade, aprendemos na prática, é bem diferente.

O "senso comum" e as "boas práticas" que garantem performance e escalabilidade no desenvolvimento web podem ser desastrosos quando aplicados diretamente em uma game engine. A primeira lição é dura: o contexto da plataforma dita as regras, e o que funciona para um servidor web pode quebrar o ativo mais precioso da Unity: o Game Loop.

A armadilha do async/await vs. o game loop

A primeira grande muralha para um dev web é o gerenciamento de fluxo assíncrono. No back-end (Node.js, .NET), a regra de ouro é: nunca bloqueie a thread principal. Usamos async/await para tudo, desde chamadas de banco de dados até APIs externas, garantindo que o servidor continue respondendo a outras requisições.

Na Unity, essa prática falha miseravelmente.

O motivo? Na Unity, o Game Loop é rei, e quase todas as APIs da engine — manipulação de objetos (GameObjects), física, renderização — exigem a execução na thread principal.

Quando usamos um await padrão, a continuação do código (o que vem depois dele) frequentemente retorna em uma thread diferente, fora do controle do Game Loop. O resultado? Erros, exceções e um comportamento imprevisível.

Tivemos que desaprender esse conceito e adotar a ferramenta nativa da Unity: as Coroutines. Uma Coroutine não é uma thread paralela; ela é, essencialmente, uma pausa gerenciada. É como pedir ao jogo para "pausar esta tarefa aqui e retomá-la exatamente no próximo frame (ou após X segundos), mas sem nunca sair da thread principal". É uma mudança de paradigma de concorrência para sequenciamento ao longo do tempo.

A surpresa do deploy: onde estão minhas variáveis de ambiente?

A segunda lição veio no deploy de um servidor dedicado (um dedicated server build da Unity). No mundo web, injetar configurações é simples: usamos arquivos .env (variáveis de ambiente) para armazenar chaves de API, strings de conexão e portas. É uma prática padrão e segura.

No entanto, um build de servidor da Unity é um binário executável. Ele não lê arquivos .env por padrão.

A solução que encontramos, comum em aplicações de jogos, foi usar argumentos de linha de comando (command-line arguments). Tivemos que configurar o servidor para parsear (interpretar) os parâmetros de inicialização no momento em que o binário é executado. Embora funcional, é uma abordagem fundamentalmente diferente de injetar configurações em comparação com o ecossistema web (Docker, Kubernetes, etc.).

O insight: "boas práticas" dependem do contexto

A experiência como Full-Stack foi crucial, mas a Unity nos forçou à versatilidade. A grande lição é que "boas práticas" são, na verdade, "boas práticas contextuais". O que é excelente para um microsserviço pode ser péssimo para um jogo mobile.

Essa filosofia de diagnóstico é central na forma como abordamos projetos de software sob medida na Link Soluções. Muitas vezes, um cliente chega com uma ideia pré-concebida — "precisamos de microsserviços" ou "tem que ser X tecnologia". Nosso primeiro passo é entender o ecossistema real.

A verdadeira senioridade técnica não é aplicar a mesma fórmula, mas saber diagnosticar as restrições e oportunidades de cada plataforma.

Conclusão: a versatilidade como diferencial

Migrar do desenvolvimento web para o de jogos (e vice-versa) expõe a importância da arquitetura de software adaptativa. A experiência nos ensina que a segurança, a performance e até a latência — o maior inimigo do multiplayer, mas isso é tópico para outro post — são variáveis maleáveis.

No fim das contas, a excelência em software não vem de seguir o manual, mas de saber quando reescrevê-lo. É essa "alfaiataria digital" que transforma um código funcional em uma solução de negócio robusta, escalável e que entrega resultados reais.

Lucas Marques

Lucas Marques

Desenvolvedor Full-Stack Pleno da Link Soluções. Com experiência em front-end, back-end e no desenvolvimento de games, sua força está na versatilidade para criar soluções completas. Contribui diretamente para projetos inovadores, transformando desafios técnicos em experiências de usuário funcionais e engajadoras.

Artigos relacionados

Gostou do conteúdo?

Que tal conversar com nossos especialistas e descobrir como podemos ajudar sua empresa a crescer com tecnologia?

Foto do Eduardo
Olá, sou o Eduardo! Fale comigo no WhatsApp